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Netflix e rivais ganham subscritores mas rentabilidade está por atingir

Streaming vale mais do que os combustíveis em bolsa, devido à Covid-19. Mas aumento de clientes não garante rentabilidade, indicam analistas ao JE.
26 Abril 2020, 08h00

As medidas de confinamento aplicadas em todo o mundo levaram a um aumento exponencial do consumo de conteúdos audiovisuais, verificando-se não só uma subida das audiências televisivas, principalmente nos canais por cabo, mas sobretudo nas subscrições de plataformas de streaming, sendo a Netflix a principal beneficiária, com mais 15,8 milhões de subscritores até 31 de março. Resultado? Os mercados bolsistas estão a apostar mais no streaming do que nos combustíveis. Mas para os analistas ouvidos pelo JE, não é certo que o aumento de subscritores se traduza em rentabilidade.

“O aumento de subscrições parece óbvio. Com grande parte da população a nível mundial em casa de quarentena, o número de clientes tem vindo a aumentar fortemente, no entanto se a crise se arrastar e evoluir para uma crise económica e financeira, e o confinamento começar a ser gradualmente levantado, as famílias poderão querer rever as suas despesas desnecessárias”, explica o analista da XTB André Pires.

Leitura idêntica faz Pedro Amorim, analista da corretora Infinox. “O grande desafio a longo prazo é que o surto ameace interromper o modelo de negócio fundamental” – alerta -, devido à desaceleração da economia mundial e ao facto de os serviços de streaming não serem uma prioridade para as pessoas em tempos de crise.

As plataformas de streaming são hoje apontadas “como as grandes vencedoras nesta fase de confinamento”, com as ações de empresas com forte presença no mercado de streaming “a mostrarem-se resilientes”, o que para André Pires revela um “pontecial de longo prazo”.

Antes de a Organização Mundial de Saúde ter classificado de pandemia o surto epidemiológico da Covid-19, a Netflix e outras empresas donas de plataformas de streaming (Amazon, Apple e Disney) acompanhavam as quedas no mercado bolsista, ainda que com “um impacto limitado”.

“Desde o dia 15 de março, verificamos uma forte recuperação nestas empresas, com a Netflix a destacar-se das demais, uma vez que a receita está mais exposta ao negócio de streaming”, salienta André Pire da XTB.

Mas não poderão também Apple, Amazon e Disney capitalizar em bolsa a maré alta que se vive no streaming, através das suas plataformas (Apple+; Disney+; Amazon Prime Video, respetivamente)? As opiniões dos dois analistas divergem. Para Pedro Amorim “é justo projetar que, se o surto não desaparecer em breve, a indústria de streaming deve preparar-se para um impacto sísmico”.

Já André Pires acredita que todas as empresas em bolsa donas de plataformas de streaming podem tirar vantagem do momento, “mas com pesos diferentes em cada caso”.

“O streaming representa apenas mais uma fonte de receita para estas empresas, que têm vindo a apostar em novos conteúdos exclusivos como forma de diversificação do negócio, mas cuja oferta é significativamente inferior à da Netflix. Isto são factores que limitam um pouco o crescimento da base de subscritores, mas, neste caso, pode ser inclusive uma vantagem devido aos elevados custos. Com uma guerra aberta neste setor, a pressão sobre estas empresas é menor do que no caso da Netflix, onde os investidores têm expetativas mais elevadas e cuja cotação representa a perfeição”.

A Netflix “é, ainda, uma empresa cujo negócio é financeiramente insustentável e que aposta tudo no efeito escala para um dia materializar todo esse potencial – isto enquanto não consegue baixar os custos por subscritor” – explica André Pires.

O caso da Netflix
A plataforma de streaming, que chegou a Portugal em outubro de 2015, divulgou, no dia 21 de abril, lucros de 709 milhões de dólares (mais de 652 milhões de euros) no primeiro trimestre do ano, duplicando os resultados obtidos em igual período de 2019. Acresce o registo de mais 15,8 milhões de subscritores até março, o maior aumento de assinantes alguma vez registado pela empresa norte-americana e que representa o dobro das estimativas dos analistas.

As contas contribuíram para que a capitalização bolsista da empresa liderada por Reed Hastings se fixe na ordem dos 177,1 mil milhões de euros, um valor acima dos 164, 7 mil milhões de euros da petrolífera ExxonMobil, aquela que até há poucos anos era a empresa mais valiosa dos EUA, segundo a Bloomberg.

Os números são positivos, mas o analista da XTB lembra que “é preciso prudência”, uma vez que os títulos destas plataformas apresentam “algumas fraquezas”. No caso da Nexflix, apesar das contas terem superado as expetativas, André Pires frisa que os investidores “parecem desiludidos”, uma vez que o lucro por ação fixou-se nos 1,57 dólares (1,45 euros), “muito abaixo dos 1,61 dólares (1,48 euros)”.

“Em zona de máximos do preço, os investidores mostram maior cautela, e estes dados ressuscitaram preocupações antigas relativas aos custos e ao facto de o market cap de 190 mil milhões de dólares [177,1 mil milhões de euros] já descontar ganhos futuros, fator que mina a confiança”.

Há ainda outra questão, alerta André Pires: “A forma como as empresas como a Netflix estão a queimar dinheiro a um ritmo alarmante, espelha dificuldades em demonstrar um caminho claro de rentabilidade.

O dólar forte pode igualmente comprometer os ganhos em subscrições e o facto de, por exemplo, a Netflix negociar em máximos sugere alguma cautela nas entradas nesta zona”.

Pedro Amorim da Infinox, por seu turno, salienta que a Netflix pode ganhar à concorrência, porque o portefólio “fornece valor suficiente para justificar o preço”. Isto é, a biblioteca de conteúdos da Netflix supera a das plataformas concorrentes, sobretudo nos casos da Disney+, da Apple+, da Amazon Prime Video e, a partir de 27 de maio, da HBO Max.

Artigo publicado no Jornal Económico de 24-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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